quarta-feira, 23 de abril de 2014

A Playlist nossa de cada dia



Jamais posso ter a pretensão de falar tão bem de música quanto meu amigo http://seringueirovoador.blogspot.com e suas críticas mais do que bem escritas. Mas em meu atual “way of life” senti a necessidade de escrever sobre musicalidade, não música em si, com terminologias técnicas e sonoridade descritiva de maneira aguçada (O que não é bem o meu forte). O dia começa aqui com aquele frio cortante e uma condução bem lotada. Nada melhor que nosso companheiro ou podemos chamar de “membro” artificial chamado fone de ouvido. Melhor do que ele pela manhã bem cedo só café, bem quente e amargo. Celular + fone de ouvido me faz sentir aos poucos a mudança no tom e na cor da viagem (Que dura em média 50 minutos). Na playlist copiada direto do computador (sempre às pressas e sem seleção pré determinada) há de tudo em matéria de gêneros musicais. Saio de casa, fones no ouvido, aperto o “play aleatory” e vamos à luta.
Dependendo do dia, da hora e do quão lotado está o transporte, as músicas vão preenchendo o vazio da saudade sentida, ou abrindo cada vez mais o buraco negro da solidão (Piegas, eu sei) minha companheira tão assídua nestes últimos tempos. Mas vamos hablar de canções. Quando a seleção musical quer sacanear começa com Tracy Chapman e em seguida pula pra Elton John ou qualquer uma do Bee Gees. Às vezes isso faz quase uma lágrima rolar involuntariamente do rosto. Mas tem também os dias “suicidas” (Força de expressão, não se preocupem) que começam com Radiohead, Blink182, Maria Rita, Elis Regina. Sim, ouço tudo isso, mesmo sem saber que as tinha “baixado” nos torrents da vida.
Ah, agora se o dia amanhece “FDP”, a playlista como que numa ligação neural direta com meu córtex manda de cara um Metallica, AC DC, Deep Purple, Rush, Queen, Pink Floyd e Engenheiros do Hawai. E de fato, aqui (Cochabamba – Bolívia, ou só país do Evo Morales) existem dias bons, dias ruins, e existem simplesmente dias. Divagando no Truffi (Nome dado ao busão daqui), pensar na origem do universo ou de onde viemos e para onde vamos é fichinha, diante da controversa cabeça  que vos escreve. Tão cafona quanto o cantor Leonardo, vejo a estrada passando e me vem à mente\playlist “...vou sem saber pra onde nem quando vou parar...” e de repente um buraco ou frenagem brusca meio que interrompe o transe cafona made in puteiro em João Pessoa, e vem Seu Jorge, só pra lembrar que eu sou brasileiro, ainda.
Não obstante, e não menos importantes são os reis, Roberto e Reginaldo, que fazem por vezes, com suas canções, o gosto da cerveja surgir na boca, e isso tudo às 7:30 da matina. Entre uma música e outra ouço o som da condução, tão chato e non sense quanto aquele(a) funkeiro(a) sem fones de ouvido nos ônibus do Brasil. Mas isso logo passa, e vem as próximas melodias, isso mesmo, melodias. Paulo Sérgio, Bartô Galeno, Evaldo Braga, Evaldo Freire, Agnaldo Timóteo e mais uns 20 ícones da MPBrega. Não, não sou tão velho, mas também não sou da geração whatsapp, mas gosto muito da chamada era de “ouro do brega”. Herança paterna isso, pois as tardes de sábado no fim dos anos 80 foram marcadas pela audição involuntária de vinis e mais vinis de “bregas apaixonados” como meu pai dizia, na velha e boa “alta fidelidade” (Aparelho de tocar discos, eletrola) tocando sempre em volume máximo.
Um arquivo corrompido aqui, outro ali, e logo chegamos a Raimundo Fagner e Amado Batista, a saudade de coisas, contos e casos só aumenta. Seguimos viagem. De repente Nando Reis me faz torcer pro segundo sol chegar logo, Cassia também dá o ar da graça cantando Chico Buarque (Gosto mais das músicas dele na voz de outros interpretes, segredo tá?!) e encantando o caminho composto por pedras e poeira. Os “Zés” Ramalho e Geraldo, sempre refazendo a caminhada mental e trazendo a reflexão semântica e semiótica sobre a mediocridade do ser, que corre, cansa e às vezes nunca alcança. Sim, a velha força falsa de um cartão de crédito ao invés de um fio de bigode é que guia esses caminhos de boiada e essa vida de gado que vivemos.
Nisso me vejo sendo aquela metamorfose ambulante, e como que num ciclo musical paradoxal, não sei se estou ouvindo a música ou se a canção está apenas potencializando e materializando um desejo de vivência.  Estamos próximos, vejo o cemitério, uma mão em um dos bolsos para separar as moedas e assim a pequena odisseia matinal termina. Bate meio que uma tristeza, por saber que o mundo a partir daquele ponto não me permite mais apreciar a beleza do caminho, com tantos sonhos e leveza no olhar ainda perdido e sonolento. Começa o dia de verdade.