Jamais posso
ter a pretensão de falar tão bem de música quanto meu amigo http://seringueirovoador.blogspot.com
e suas críticas mais do que bem escritas. Mas em meu atual “way of life” senti
a necessidade de escrever sobre musicalidade, não música em si, com
terminologias técnicas e sonoridade descritiva de maneira aguçada (O que não é
bem o meu forte). O dia começa aqui com aquele frio cortante e uma condução bem
lotada. Nada melhor que nosso companheiro ou podemos chamar de “membro”
artificial chamado fone de ouvido. Melhor do que ele pela manhã bem cedo só
café, bem quente e amargo. Celular + fone de ouvido me faz sentir aos poucos a
mudança no tom e na cor da viagem (Que dura em média 50 minutos). Na playlist
copiada direto do computador (sempre às pressas e sem seleção pré determinada)
há de tudo em matéria de gêneros musicais. Saio de casa, fones no ouvido,
aperto o “play aleatory” e vamos à luta.
Dependendo do
dia, da hora e do quão lotado está o transporte, as músicas vão preenchendo o
vazio da saudade sentida, ou abrindo cada vez mais o buraco negro da solidão
(Piegas, eu sei) minha companheira tão assídua nestes últimos tempos. Mas vamos
hablar de canções. Quando a seleção musical quer sacanear começa com Tracy
Chapman e em seguida pula pra Elton John ou qualquer uma do Bee Gees. Às vezes
isso faz quase uma lágrima rolar involuntariamente do rosto. Mas tem também os
dias “suicidas” (Força de expressão, não se preocupem) que começam com
Radiohead, Blink182, Maria Rita, Elis Regina. Sim, ouço tudo isso, mesmo sem
saber que as tinha “baixado” nos torrents da vida.
Ah, agora se o
dia amanhece “FDP”, a playlista como que numa ligação neural direta com meu
córtex manda de cara um Metallica, AC DC, Deep Purple, Rush, Queen, Pink Floyd
e Engenheiros do Hawai. E de fato, aqui (Cochabamba – Bolívia, ou só país do
Evo Morales) existem dias bons, dias ruins, e existem simplesmente dias.
Divagando no Truffi (Nome dado ao busão daqui), pensar na origem do universo ou
de onde viemos e para onde vamos é fichinha, diante da controversa cabeça que vos escreve. Tão cafona quanto o cantor
Leonardo, vejo a estrada passando e me vem à mente\playlist “...vou sem saber
pra onde nem quando vou parar...” e de repente um buraco ou frenagem brusca
meio que interrompe o transe cafona made in puteiro em João Pessoa, e vem Seu
Jorge, só pra lembrar que eu sou brasileiro, ainda.
Não obstante,
e não menos importantes são os reis, Roberto e Reginaldo, que fazem por vezes,
com suas canções, o gosto da cerveja surgir na boca, e isso tudo às 7:30 da
matina. Entre uma música e outra ouço o som da condução, tão chato e non sense
quanto aquele(a) funkeiro(a) sem fones de ouvido nos ônibus do Brasil. Mas isso
logo passa, e vem as próximas melodias, isso mesmo, melodias. Paulo Sérgio,
Bartô Galeno, Evaldo Braga, Evaldo Freire, Agnaldo Timóteo e mais uns 20 ícones
da MPBrega. Não, não sou tão velho, mas também não sou da geração whatsapp, mas
gosto muito da chamada era de “ouro do brega”. Herança paterna isso, pois as
tardes de sábado no fim dos anos 80 foram marcadas pela audição involuntária de
vinis e mais vinis de “bregas apaixonados” como meu pai dizia, na velha e boa “alta
fidelidade” (Aparelho de tocar discos, eletrola) tocando sempre em volume
máximo.
Um arquivo
corrompido aqui, outro ali, e logo chegamos a Raimundo Fagner e Amado Batista,
a saudade de coisas, contos e casos só aumenta. Seguimos viagem. De repente
Nando Reis me faz torcer pro segundo sol chegar logo, Cassia também dá o ar da
graça cantando Chico Buarque (Gosto mais das músicas dele na voz de outros
interpretes, segredo tá?!) e encantando o caminho composto por pedras e poeira.
Os “Zés” Ramalho e Geraldo, sempre refazendo a caminhada mental e trazendo a
reflexão semântica e semiótica sobre a mediocridade do ser, que corre, cansa e
às vezes nunca alcança. Sim, a velha força falsa de um cartão de crédito ao
invés de um fio de bigode é que guia esses caminhos de boiada e essa vida de
gado que vivemos.
Nisso me vejo
sendo aquela metamorfose ambulante, e como que num ciclo musical paradoxal, não
sei se estou ouvindo a música ou se a canção está apenas potencializando e
materializando um desejo de vivência. Estamos
próximos, vejo o cemitério, uma mão em um dos bolsos para separar as moedas e
assim a pequena odisseia matinal termina. Bate meio que uma tristeza, por saber
que o mundo a partir daquele ponto não me permite mais apreciar a beleza do
caminho, com tantos sonhos e leveza no olhar ainda perdido e sonolento. Começa
o dia de verdade.